Durante os anos em que morei na cidade de Cachoeiro de Itapemirim – ES, sempre acordei bem cedo, pois gostava de começar logo de manhã no serviço. Eu caminhava à beira do rio Itapemirim e ficava embevecido com a revoada das garças, seguindo o curso do rio até seus campos de alimentação. Eram branquinhas e me inspiravam a liberdade de se viver.
À noitinha, quando eu retornava, ficava admirado com o rumo de suas silhuetas brancas procurando seu ninhal para passarem a noite. Era como eu buscando meu ninho, meu refúgio das incertezas da vida.
Abaixo segue um texto de JB Alencastro que achei no Recanto das Letras. Achei muito apropriado.
“Garça”
No finalzinho da tarde eu vejo a revoada. Aqueles pescoços compridos todos encolhidos. Estão indo para o ninhal. O vôo é lindo, tranqüilo, sem alvoroço. Daqui de baixo o bico é amarelo e longo, parece um punhal de tão fino. As aves são o que comem. Cada bico tem uma função e uma forma. As penas são brancas e as patas pretinhas. Ela é enorme, talvez um metro. É uma garça.
Poesia voando. Poesia planando. Poesia pescando. No alto do bambuzal foram feitos os ninhos das grandes. Fica a uns oito metros do chão. Na metade do caminho moram as pequenas. A diferença é que o bico da pequena é preto e ela é a metade da outra. No ninho feito de gravetos mais ou menos arrumados, ficam uns 3-6 ovos claros. Por favor, me entendam, as grandes são de uma espécie e as pequenas são de outra.
Existem muitos tipos de garças, e tem até cidade com nome dela. São lindas, gosto das duas que falei acima e também da vaqueira. Aquela que come carrapato do boi, mas essa não mora na água e nem faz ninho nas árvores. Ela é africana, importada, chegou no Brasil quando ele nasceu, em
Garças fêmea e machos se enfeitam no período do acasalamento, pluminhas fofas aparecem no peito e nas costas. Fazem um penacho no pescoço e na cauda também. Chamam-se egretas, essas penas. Deu-me pena saber que muita gente caçou essas meninas só para tirar os enfeites. Maldade da grossa.
Mesmo morando no lodo e pescando peixinho elas estão sempre limpinhas. É que tem uma substância, um pozinho azul, que elas passam nas plumas. O dedo do meio do pé é especial para isso, existem umas serrinhas em forma de pente. Elas não mergulham e nem filtram água. Só fincam.
Fincada de garça é igual flechada no coração. Não tem erro não. E se a voz delas é um cacarejo meio grosso, meio duro, é só fita. Elas são dóceis e belas. Na cidade em que ele nasceu tem um clube chamado Jaó, elas se juntam lá para dormir. Centenas delas, uma alvura total.
Eu quando durmo sonho sempre. Ninguém consegue adivinhar os sonhos e nem impedi-los, né? Acho que a vida inteira vou dormir no branco e sonhar colorido. Igual garça que voa no azul e desce no verde para deitar.
JB Alencastro
Um comentário:
Texto lindo. Também conheci Cachoeiro. Minha família por parte de mãe é de lá. Passei longas temporadas em Cachoeiro e brinquei muito no rio e na ponte da estrada de ferro. Eram tempos maravilhosos.Deu saudade...
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