O mais solitário momento é quando partimos, transpomos os umbrais da vida, atravessamos o rio, nos deleitamos nos braços de Tânatos, morremos.
Nessa hora, tudo não mais nos importa, todos os valores se esvaem, todas as crenças se encontram.
E a angústia do último suspiro, do agarrar àquilo que nunca nos pertenceu, de desejar um instante mais o pouco do sofrimento que nos foi concedido.
Sim, a morte nos nivela, nos iguala. É a democracia mais perfeita, onde todos somos iguais... dela ninguém escapa.
E passamos nossas vidas tentando esquecê-la, ou melhor, não querendo lembrar dela.
Mas por fatídica que seja, o relógio de todos correm e sempre nos alcança.
E sobra, no arfar da angústia, uma vela lúgubre, um último olhar daqui para lá, sem volta e sem retorno: a esperança!!!
Borges, para mim o melhor escritor argentino, disse que “a esperança é o mais sórdido dos sentimentos”, talvez por ter morrido cego, de câncer. Talvez por um apego exacerbado à sua mãe Leonor (complexo de Édipo?), talvez por sua plena descrença em uma seita ritualística como o catolicismo romano na Argentina.
Sinto dizer, Borges, mas você está completamente enganado, pois do pálido olhar que nos espreita atrás do umbral, ressoa tenaz a esperança, e dela, jamais declinaremos.
Abaixo, um texto de Borges aos jovens.
INSTANTES
Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico.
Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida, claro que tive momentos de alegria.
Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas já viram, tenho oitenta e cinco anos e sei que estou morrendo.
(Jorge Luís Borges)
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