sábado, 9 de agosto de 2008

Janela, observador e o anjo

Observo a vida passando pela janela. Vejo as faces dos transeuntes: todos levam uma marca de dor e sofrimento. Raros os que trazem um pequeno brilho de alegria nos olhos. À distância, os montes graníticos, com seus cumes cobertos de uma hiléia idílica, deixam-se abusar das nuvens lânguidas que lhes sussurram as faces com promessas úmidas.

O sol, em um vertente glorioso, no zênite de seu beneplácito, observa com ardor a precessão dos equinócios, anunciando uma primavera plena de novidades. Um ciclo se finaliza e se aproximam novos começos. O tempo, letárgico e surdo, ignora as súplicas dos derrotados.

Como Sêneca, recebendo a ordem de Nero para se matar, sento-me desditosamente e contemplo a imensidão. Se não fosse um suposto complô, o de Pisão, este filósofo estóico talvez vislumbrasse as sombras dos setenta anos. Mas seus pulsos hirtos foram a prova cabal de sua boa escola, a “Stoa” latina, da qual ele não declinou. O admiro.

E a janela não se fecha, com a vida escorrendo por entre suas frestas, num destoar do langor mórbido da tarde morna. Gente vindo e indo, passando pela vida e deixando a vida, rindo do nada e sendo felizes dos terrores alheios.

Fecho os olhos para a hedionda luz que crava minhas pupilas com uma desalmada crueldade da realidade. Procuro enxergar com o espírito para observar a eternidade da consciência. Então, por sobre os resquícios da sanidade, entrevejo o anjo, pairando por sobre a multidão, observando os passos e preparando a colheita de sua foice afiada.

Viro o rosto para não ver o rubor do sangue...

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