terça-feira, 29 de julho de 2008

Momentos não voltam jamais

O silêncio imperava. Somente uma luz transcendente filtrava da clarabóia e iluminava o corpo sobre o mármore. Era a capela do hospital.

No dia anterior, tudo tinha transcorrido quase normal. A não ser uma homenagem a ser recebida em nome da firma na qual trabalhava, o resto havia sido o trivial, rotineiro.

Sua irmã havia ligado, perguntando se não iria visitar a mãe, que se encontrava na cidade já há mais de uma semana. Ele planejou ir à sua casa após o serviço, tomar um banho e ir visitar a mãe, antes de seguir para o salão e ser homenageado.

Passou para uma breve visita. Sua mãe estava ajoelhada junto à cama, lívida de dor, de uma osteoartrose que a incomodava. Mas estava, no mais, tudo bem. Em breve ela faria uma cirurgia e colocaria uma prótese no lugar da cabeça do fêmur, que transpassava-lhe as carnes como um punhal, uma vez que a artrose havia comido o osso e transformado-o em uma lança.

Daí a 2 dias ele a pegaria e a levaria de volta para sua cidade natal.

Ela visivelmente ficou encantada com a visita do filho. Apesar da dor inclemente que sentia na perna, ela o recebeu com alegria, pois o amava intensamente. Rapidamente, ele comentou que estaria recebendo um prêmio em nome da empresa naquela noite e logo após iria a uma festa concedida pela rede de comunicações que homenageava sua firma.

Sua mãe ficou encantada, com os olhos cintilantes de alegria e orgulho.

Ele despediu-se, dando-lhe um beijo no rosto e dizendo: até mais!

A festa foi normal, com bebidas requintadas e canapés de todos os gostos.

No dia seguinte, ao acordar meio ressaqueado, pensou que jamais havia dito à sua mãe que a amava e decidiu: bom, hoje faço-lhe outra visita e digo.

Na firma, sua irmã, logo pela manhã ligou dizendo que era urgente a presença dele junto à mãe. Na mesma hora ele pediu licença ao seu gerente e foi.

Chegando ao hospital, a equipe de médicos que haviam atendido sua mãe o recebeu e disse-lhe que ela acabara de falecer, o que o atingiu como um soco no estômago.

Ele pediu para ver o corpo e lhe foi dito que estava no necrotério da capela.

Chegando lá, a luz emoldurava a mortalha que envolvia o corpo. Descobriu o rosto e notou que os olhos estavam úmidos e semi-abertos, como a esperar por ele.

Nesse momento, a crueldade do tempo lhe soprou aos ouvidos a palavra que ele jamais havia dito à sua mãe e que não mais poderia fazê-lo: eu te amo!

O tempo é senhor de nossas vidas e não temos qualquer controle sobre ele, e muito dificilmente sobre nossas próprias vidas.

Não deixe que a passagem do tempo, a travessia do rio da vida ou o seu orgulho impeçam-lhe de dizer o quanto você ama alguém. Faça-o agora!

Um comentário:

Marília Britto disse...

A maioria das pessoas sempre acham que há um tempo exato para fazer aquilo que desejam, como se o tempo fosse esperar pacientemente o momento de cada um.
Pura ilusão! O tempo passa mais depressa do que os ponteiros do relógio podem marcar e mais depressa do que os nossos olhos podem ver.
Pobre daqueles que perdem grandes oportunidades na ânsia do dia do amanhã. Talvez seus desejos se percam para sempre nos caminhos do tempo.